Sessão Solene marca o Dia da Consciência Negra na Câmara Municipal de Cotia

por adm publicado 29/11/2023 10h50, última modificação 29/11/2023 10h50
Durante a celebração, foi anunciada a adesão do Município ao Pacto Coletivo por Cidades Antirracistas do Ministério Público

A passagem do Dia da Consciência Negra foi celebrada com Sessão Solene na Câmara Municipal de Cotia. Realizada na noite da sexta-feira, dia 24, a comemoração contou com a presença de vereadores, secretários municipais, membros do movimento Caminhada Pela Cultura de Paz e Não-Violência, artistas locais e representantes de religiões de matriz africana (veja as fotos na Galeria de Imagens).

Na Tribuna, a vice-prefeita Ângela Maluf (PV) anunciou que nesta terça-feira, dia 28, o Poder Executivo assina o Pacto Coletivo por Cidades Antirracistas no Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP). Representantes de diversos municípios paulistas participam do evento, se comprometendo a efetivar as políticas previstas no Estatuto da Igualdade Racial e estimulando a criação de estruturas de combate ao racismo. 

O Presidente da Câmara Municipal de Cotia, vereador Marcinho Prates (SD), esteve à frente da Sessão Solene, que contou com discursos de lideranças locais e regionais, além de apresentações artísticas. "O samba, o hip-hop, a cultura de diáspora africana me salvaram e hoje estou aqui, firme e forte para poder alegrar e trazer uma história de mulher preta", exaltou a cantora Amanda Negra Sim, que apresentou uma música de sua autoria. Já o professor Márcio Moraes recitou texto enaltecendo a luta social e a cultura.

O Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado anualmente em 20 de novembro. A data, feriado estadual em São Paulo, lembra quando Zumbi dos Palmares foi morto por bandeirantes, em 1695. A data foi escolhida a fim de louvar o protagonismo da luta dos escravizados por liberdade e gerar reflexão para as questões raciais.

 

FALAS NA TRIBUNA
Angela Maluf (PV), vice-prefeita: "Falar contra o racismo é uma questão suprapartidária. É fundamental o compromisso de reparação histórica em favor do povo negro. Assim deve ser em toda parte: nas repartições públicas, nas secretarias de governo, nas escolas, saúde, indústrias, comércio, artes. Mulheres e homens negros precisam estar onde querem estar. É hora de um ajuste de contas com o passado de um povo que ajudou a construir nosso país com sangue, suor e lágrimas. Falar em reparação histórica é não medir esforços para abrir portas e caminhos para que pretos e pretas deixem de ser a maioria apenas nas estatísticas da miséria humana"
Elisete de Castro, filha do Seu Dito da Congada: "A luta é constante, não podemos parar. Continuamos caminhando nesta luta pelo nosso espaço, que é nosso por direito. Continuem sempre mantendo essa força interior, essa força que nossa ancestralidade nos traz e nos faz continuar caminhando sempre em busca de um mundo melhor para nós e nossas crianças. A luta não vai parar por aqui. Precisamos nos unir por um mundo melhor. Este momento é o início de uma grande valorização para nós, porque precisamos destes espaços abertos"

Dr Ricardo Rodrigues, presidente da OAB Cotia: "É um mês significativo para esta luta, que já é travada há muito tempo. Agradeço o direito de fala, mas vou ser breve porque eu vim hoje não para falar, mas para ouvir. Esta questão é muito importante para a OAB. A sociedade contemporânea não tem mais espaço para discriminação racial ou de qualquer espécie. Somos um povo diverso, cheio de misturas étnicas e raciais, e é justamente esta diversidade que é o tempero, a ginga, a cultura, a língua que formam nosso povo. Somos um povo rico e privilegiado que deve buscar acima de tudo o respeito, a dignidade, a fraternidade, para alcançarmos juntos uma sociedade mais justa, tolerante e com diferenças, sejam elas quais forem"

Dr Marcelo de Toledo, vice-presidente do Conselho de Desenvolvimento da Igualdade Social (Condepir): "Há um ano, neste lugar de fala, havia muitas pessoas brancas, e hoje temos muitas pessoas negras. Isso me emociona. Vejo irmãos compartilhando a mesma dor que eu senti a vida toda, mas hoje é um mês de reverência, de celebração. Só quero dizer Viva Zumbi, Viva o Mês da Consciência Negra"

Marcos Antônio Moraes (Fre), Secretário Adjunto de Cultura e Lazer: "Estou muito emocionado de ver tanto preto neste espaço. Estar aqui me faz cada dia mais forte. Hoje é um dia para comemorarmos muito. A porta está abrindo. Temos o Presidente da Câmara preto, nossa vice-prefeita preta, nossos advogados pretos, vereadores pretos. Isto é pra entender que as coisas estão mudando e vão mudar ainda mais. Podem ter certeza disto: abram a porta, porque senão a gente vai meter o pé"
Miriam Ribeiro Diogo, Presidente da ONG Pretos e Ação: "Hoje eu fiz questão de vir com uma trança porque meu cabelo é minha coroa. Há muito tempo, na África, as tranças eram feitas representando nomes de família, posição social, estado civil. Quando chegou ao Brasil, passou a ser usada com outros objetivos. As tranças eram usadas porque o cabelo incomodava a casa grande, era muito volumoso, então tinha que prender, mas também como mapa para os negros que queriam fugir do sofrimento. Quando se trançava o cabelo, se fazia um mapa para eles poderem fugir. Além disso, ela também era usada como depósito de sementes, porque quando eles fugiam, precisavam plantar o que comer. Hoje as tranças estão muito na mídia, são uma fonte de renda, mas também uma forma de empoderamento de mulheres e homens negros. Elas são feitas não só pela beleza; são o nosso orgulho. Precisamos saber a nossa história, precisamos contar nossa história, porque a nossa história não é só sofrimento"
Luana Karen, Conselheira Tutelar: "É um mês de comemoração, de avanço, mas também não podemos deixar de falar dos avanços que ainda precisamos ter. A cada 23 minutos um jovem preto morre. 87% das vítimas de confrontos policiais são pretos de 14 a 19 anos de idade. A gente tem muito o que avançar. Tem muito sangue preto sendo derramado nas periferias, nas ruas. A bala perdida não erra a pele preta. Isso eu falo com propriedade como mulher preta, pelo nosso povo preto. Quando a gente deixa de evidenciar as coisas que ainda acontecem, parece que a luta terminou, e ela não terminou. A luta só começou. A porta da casa grande ainda não está totalmente aberta para nós. Ainda tivemos que meter o pé na porta senão não teríamos voz, não teríamos vez. Nós, mulheres pretas, precisamos nos provar três vezes mais que uma mulher branca que somos boas o suficiente para ocupar o lugar que é nosso. Nós estamos perdendo nossa juventude pro tráfico, porque o racismo traz a exclusão social e ela vem diretamente para o povo preto. A população da favela é o povo preto. A gente ainda tem muito o que fazer. Estes espaços de representatividade tem que ser ocupados, porque são lacunas e não vamos aceitar ocupar apenas as lacunas; vamos ocupar os espaços que são nossos de direito e ninguém vai calar nossas vozes, elas vão ecoar como ecoaram dentro das senzalas"
Michele de Jesus, coordenadora geral do movimento Mães e Pais que Lutam: "Nós, que somos mães de crianças com deficiências, sofremos preconceito todos os dias. Coloca isso pra uma mulher preta, com uma filha preta com deficiência, o quanto mais ela sofre. Se pra mim é difícil como mãe de autista, você imagina pra mãe cuja filha vai sofrer preconceito por ser autista e por ser preta. Nossa luta por inclusão é em todos os âmbitos, porque não é só dentro da escola, dentro da saúde. A inclusão é em todos os lugares porque temos pessoas com deficiência em todos os lugares. Elas estão aí, estão sendo excluídas. A inclusão começa dentro de casa e precisamos levar nossos filhos para que eles sejam visíveis pra todos. Direito não é favor"

Ana Silva Kariri, presidenta do Coletivo Tuxaua: "Eu venho da Paraíba, sou da etnia Cariri, povo do Nordeste, do sertão. Cotia tem povo do nordeste, povo guarani e várias etnias, mas passamos por um processo de silenciamento. O caminho de Piabiru (hoje, Rodovia Raposo Tavares) foi um local sofrido onde várias etnias foram massacradas, silenciadas e usurpadas no nosso direito de ser quem somos, assim como o povo preto. Hoje é meu tempo de ouvir mais do que de falar, mas estou me sentindo representada e impactada com a história e a resiliência de todos"

Dr Walter Sampaio, presidente da Comissão para Promoção da Igualdade Racial da OAB Cotia: "Nossa vida de preto não é fácil. O Dia da Consciência Negra, a data atrelada à morte de Zumbi dos Palmares, nos faz um convite para refletir sobre como as pessoas negras são vistas socialmente no maior país preto fora da África. O Brasil se esqueceu, de forma conveniente, o que o povo preto fez por este país após ser trazido pra cá à força. Cada pessoa negra sangrou para construir os pedacinhos que compõem esta nação, mas os nomes que batizam as ruas pelas quais andamos são de bandeirantes, coronéis e fazendeiros brancos, ricos em sua maioria, os mesmos que fizeram meu povo sangrar. Se o assunto for riqueza, aí que o país nos deve mesmo. O fim da escravidão, celebrado por muitos como salvação divina, deixou o povo negro com uma mão na frente e outra atrás. Descartado como lixo, sobrou para nosso povo ancestral se reorganizar em um país que os odiava e os odeia até hoje. Já dura mais de 400 anos esta volta por cima. Aprendam: esquecimento coletivo é o poder de quem não quer abrir mão do seu privilégio. E o mais importante: não somos descente de escravos; somos descentes de reis e rainhas que foram escravizados"

Vavá Oliveira, artista plástico e membro do Conselho Municipal de Cultura: "Quero aqui falar da Lei do Ventre livre, que libertou as crianças, os filhos das pessoas escravizadas. Essa criança liberta ficava até os 8 anos de idade sob os cuidados de sua mãe. Então, o senhor tinha o direito a indenização para entregar esta criança ao Governo - e só entregava se ele quisesse. Muitas crianças permaneciam nas fazendas de 8 a 21 anos trabalhando de graça ao seu senhor. Se ela não permanecesse no local, ela seria entregue ao Governo e marginalizada. Hoje, em 2023, não mudou. As mães continuam acorrentadas, massacradas, humilhadas. Enquanto nosso país não tratar a cultura como princípio, não respeitar os seus, os seus pares, a ideia do outro, nós seremos um país totalmente atrasado. É preciso respeitar a cultura, o princípio de tudo, porque sem alicerce não se constrói uma casa"
Jenivaldo de Jesus (Professor JJ): "Saudamos mestre Zumbi, um símbolo de resistência do povo preto, mas devemos lembrar que alguns dos maiores quilombos que temos foram fundados por mulheres. Saúdo a toda a ancestralidade, a todo o povo preto, representado aqui por grandes personalidades. Martin Luther King dizia 'eu tenho um sonho, o dia em que minhas filhas forem julgadas pela força do seu caráter e não pela cor da pele'. Eu também tenho um sonho, de um dia em que não precisemos mais de cotas, de uma lei para criminalizar essa coisa inumana que é o racismo. Tenho o sonho que um dia não mais precisemos ouvir estes números, de um dia em que todos nós, de fato, possamos ser tratados da forma como somos, de uma única raça, da raça humana"

Solange Resende, cooperativa Luxo do Lixo: "Represento os moradores de rua, a dona Maria que está em casa lavando roupa, as catadoras do Brasil. Estou representando os analfabetos, as mulheres negras que têm filhos sem planejamento familiar, os filhos da gente que estão nas drogas. Represento a discriminação que sofremos por não ter estudo, por não ser lembrada, não ser vista. Estou representando o saco de lixo que a gente carrega na rua, uma renda que não dá pra fazer nada. Estou representando a categoria que leva milhões e milhões de lixo que vocês produzem todos os dias. Uma categoria que não tem voz. Não tenho nada pra agradecer ou comemorar. Estou aqui representando uma criança q teve filhos, uma avó que tem 20 netos pretos discriminados todos os dias porque têm uma mãe que arrasta um saco de lixo pela rua. São 25 anos de luta. A discriminação  já nasce com a gente, sou discriminada todos os dias, assim como meus filhos e meus netos"

Vereador Edson Silva (Repub): "Muito importante escutar e aprender com cada um dos senhores que esteve aqui na Tribuna. O preconceito existe todos os dias. A desigualdade social, o desrespeito ao ser humano é o que mais atrapalha o povo brasileiro. Precisamos olhar para o ser humano com amor, respeito e igualdade. É o que falta, independente da sua cor, de ser homem ou mulher, tratar o ser humano com amor" 
Vereador Paulinho Lenha (MDB): "Sou feliz por ser preto, feliz por ser desta cidade.  É meu povo que está aqui hoje, povo que eu respeito muito, que ajudou a me trazer até aqui onde estou"
Éder Dias de Oliveira, membro do Conselho Municipal de Cultura: "Vim aqui para representar o hip-hop, que está às margens, na periferia. Se eu estou aqui hoje, é graças ao hip-hop, porque não foi na escola q aprendi quem era Zumbi, não foi no livro de história que aprendi sobre Dandara. Se fosse pelos livros de história, eles iam ensinar que Zumbi era um preto fujão que dava problema pro dono da casa grande. Hip-hop é inclusão social, é a forma de levar informação e conscientização ao povo de periferia, a quem está à margem da sociedade. Peço aos nobres vereadores que nos deem atenção, que coloquem hip-hop em pauta"